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segunda-feira, agosto 07, 2006

O atendedor de chamadas


Estás aí? Se estás atende. Por favor. Por favor! Não estás?... Deixa estar, eu digo-o de qualquer maneira.

Estou sentado na varanda, e vejo o mar ao fundo, escondido entre as telhas vermelhas que encabeçam as casas brancas, vejo o mar ao fundo diluir-se no céu. Ambos são azuis, percebes? E diluem-se um no outro...

Estou sozinho aqui. Estou sozinho porque me sinto mal e só, tanto me fazia que houvesse alguém ao meu lado ou não. A solidão não é uma evidência, é uma percepção. Podemos ter milhares de pessoas ao pé de nós e sentir-mo-nos sozinhos por causa de uma apenas.

Desculpa mas vou ter que fumar um cigarro. Importas-te? Não leves a mal, porque não é por mal que o faço. É talvez porque me sinta nervoso ou ansioso. Ou talvez seja apenas um gesto automático, irracional, o de abrir o maço de tabaco com a mão esquerda, pegar no cigarro entre dois dedos da mão direita, levá-lo à boca e acendê-lo com o isqueiro. Talvez seja instintivo o gesto de semicerrar os olhos quando sopro a primeira baforada de fumo que enevoa a paisagem por um instante e logo se dissolve no ar como se nunca tivesse existido.

Há uma cadeira vaga ao meu lado. Estou a imaginar-te ali sentada agora, os cabelos escorrendo pelos ombros como água de uma fonte, o sol dourando-te a face. O que me lembra de que estou sozinho. Esquece. Tudo me deprime. Pelo menos enquanto estiver aqui, tudo me deprime. Prefiro fugir. Vou descer para ir ao café. Ou à praia, não sei bem.

Sim, talvez já não tenha muito para dizer. Talvez a minha boca esteja seca de palavras. São desnecessárias as palavras. Estivesses tu aqui e diria que são mais do que desnecessárias, são parte de uma invenção obsoleta e trivial que só veio retirar complexidade à arte primitiva do olhar. O que eu quero dizer é que não quero dizer nada. Só olhar-te. Deixa-me olhar-te, peço-te. Nos olhos. Contemplá-los e inquiri-los, e explicar-me a eles de outra maneira... de outra maneira que agora não consigo...

Olha, já estou cá em baixo. São quatro da tarde, há muita gente a ir para a praia outra vez, vêm em grupos e conversam, riem-se de vez em quando, levam toalha aos ombros ou debaixo do braço, vestem fato de banho ou biquini, muitas vezes trazem uma sacola ou uma mochila ou algo que lhe faça a vez. Eu não gosto de praia. Nem sei porque estou aqui. Talvez tivesse a secreta esperança de te descobrir entre a multidão. Ou perder-me entre cocktails num desses bares ao pé da praia, numa qualquer noite de Verão, sempre com uma música aos berros a funcionar como anestesia.

Uma italiana faz favor. Não é contigo querida, desculpa-me. É com o empregado do café. Está um calor infernal, mas eu estou a precisar de um café. A ver se acordo. Já vamos a meio da tarde, já é tempo. Preciso desesperadamente de acordar.

Aiai...

Já chegaste?

Não?

Acho que vou ter que desligar, de qualquer maneira. Estou a ficar sem bateria. Mas foi bom. Estava mesmo a precisar disto. Eu sei que não te conheço de lado algum, mas estava mesmo a precisar disto. Sinto-me melhor, soube-me bem imaginar-te. E, enfim, quando marquei o número não sabia o que poderia vir a acontecer. Nunca se sabe.

3 comentários:

K disse...

Web vai por aí uma negridão, hein?

K disse...

Caro André:

Estou a propor a algumas pessoas, colaboração no Antivilacondense a
partir de Setembro. Ou seja, uma colaboração num espaço aberto a
"leitores convidados" em que terão ampla liberdade de opinar sobre a
actualidade: um facto politico (local, nacional ou internacional),
cultural (um livro, um concerto, um filme, uma peça... etc), desporto,
social ou pessoal.. etc etc...
Sendo o Antivilacondense, um dos blogues de referência em Vila do
Conde, ficaria grato pela sua colaboração.
Na eventualidade de aceitar a minha a minha proposta, peço-lhe a
construção de textos moderadamente expansivos. A assinatura do autor
terá também como referência o endereço e-mail. Quaisquer dúvidas:
estou à disposição via correio electrónico.

Um abraço.

Anónimo disse...

Olá mano,

Já se sabendo que a isenção nunca será o meu forte. Este está mesmo extraordinariamente bom. Adorei.

Beijos
S.