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terça-feira, abril 03, 2007

talvez as almas sejam grandes blocos de pedra

Talvez as almas sejam grandes blocos de pedra.
(Talvez. Podemos dizer o que quisermos, quando começamos as frases com talvez.. Porque nunca se sabe – talvez seja realmente assim, talvez as almas sejam realmente como grandes blocos de pedra.)
No príncipio são toscas e primitivas. Mas as suas próprias vidas as desgastam, as desbastam, as esculpem. E a solidão é o que fica depois do gelo penetrar bem fundo nas fissuras graníticas da nossa alma, derreter em água e esvair-se no ar. O problema é a sucessão dos invernos desacompanhados ao longo dos anos. É assim que as nossas almas, que são rochas, colapsam e se fragmentam em areia – da mesma areia quente de que são feitos os desertos.

Também há invernos em agosto. Num agosto banal o sol é demasiado redondo, demasiado obeso, quase maior que o céu. Enche os becos mais obscuros com os reflexos da sua luz, e aquece os corpos no limite do suportável: os braços tombam, frouxos, ladeando o tronco, as pálpebras fingem um perpétuo adormecimento, a cabeça parece latejar, o crânio torna-se maciço, difícil de sustentar sobre o pescoço, também ele fatigado. É um calor que inibe os pensamentos e dá um significado novo às acções, mais longe do mundo real, mais perto dos sonhos. Os invernos em agosto não têm temperaturas menos mórbidas. Falta-lhes, isso sim, a luz, consoladora e omnipresente, o súor, que torna etéreos os actos praticados, e a refrescante brisa nocturna que dá vontade de viver.

No mês de agosto os invernos são mais inesperados. À partida espera-se tempos de sol em agosto. O céu fica quase branco por causa da luz. É então que as nuvens se materializam nesse céu azul pálido. Aparecem do nada e são ainda mais brancas do que o próprio céu, e bem mais palpáveis. Surgem em toda a atmosfera e tornam-se cada vez mais esponjosas. Mas em agosto não podem ser nuvens. São elefantes. São elefantes brancos que aparecem em todo o lado. Depois crescem. Tornam-se grandes, densos, pesados, cinzentos. Tão grandes e densos, tão pesados e cinzentos, que escondem o sol atrás de si, e espalham a sua sombra por toda a cidade. Com o tempo desfazem-se em água que cai, mas são tão monstruosamente grandes que chovem durante semanas a fio. E às vezes não são água líquida, mas pedras de granizo. Assim são os invernos em agosto: com o mesmo calor mas húmidos e lúgubres, sem luz, e com dias que são iguais às noites.

Quando em agosto há invernos, as almas constimpam-se ou, ainda pior, arranjam pneumonias. A velocidade destes invernos deixa irreversivelmente lascadas as superfícies rochosas das almas. As arestas tornam-se aguçados e cortantes, e precisam de vários outonos para se amaciarem.